sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Imigração para a Itália... necessidade de aumentar a população

A Reportagem da revista alemã Der Spiegel mostra as consequências da baixa taxa de natalidade  no sul da Itália. Confira abaixo:

 

05/02/2010

Aldeia italiana recebe refugiados de braços abertos

Der 
Spiegel
Juliane von Mittelstaedt
Uma aldeia italiana espera reverter seu declínio populacional aceitando refugiados de todo o mundo. Os imigrantes recebem casa e comida grátis e em troca devem trabalhar e aprender italiano. O projeto está tendo um grande sucesso, mas a máfia local não está contente.
Domenico Lucano, 51 anos, é o prefeito de Riace, no sul da Itália. A aldeia, com suas três igrejas, dois santos padroeiros, carneiros pastando nas colinas ao redor e árvores de tangerina crescendo nos vales - é como um calo na sola do pé da região da Calábria.
Até pouco tempo atrás, Riace estava rapidamente se tornando uma cidade fantasma. As pessoas tinham partido em busca da sorte em outros lugares - Milão, Turim ou Gênova, a Alemanha ou os EUA. A população de Riace tinha encolhido de modo tão drástico que a aldeia nem sequer tinha um bar, um restaurante ou um açougue, e não havia crianças suficientes para encher as classes na escola. Isso foi antes de o prefeito Lucano decidir reanimar sua aldeia: com imigrantes da Somália, Eritreia, Afeganistão, Bósnia, Iraque e Líbano.
Tudo começou com um navio. O barco chegou há 12 anos, em 1º de julho de 1998. Lucano, que era professor na época, estava dirigindo pela estrada costeira quando viu um grande grupo de pessoas no mar, aproximando-se da praia. Eram refugiados curdos, 300 homens e mulheres e algumas crianças, perdidos em uma praia perto de sua aldeia natal.
Era o mesmo lugar onde duas estátuas de bronze tinham sido encontradas sob o mar em 1972, o que colocou Riace no mapa. Para Lucano foi um sinal. "O vento nos trouxe uma carga especial, e quem somos nós para recusá-la?" Os gregos um dia navegaram pelo Mediterrâneo até a Calábria, seguidos pelos árabes e os normandos - e agora os refugiados estavam chegando.
Aldeia global
Lucano recebeu os curdos em sua aldeia, o que lhe valeu o apelido de "Mimmo, o curdo". Outros refugiados vieram, os restos das guerras e da pobreza ao redor do mundo. Ele decidiu criar um lugar onde os refugiados e os moradores locais pudessem trabalhar e viver lado a lado - uma aldeia global, no canto mais pobre de uma das regiões mais pobres da Itália, uma terra de sonhos despedaçados. Ele fundou uma associação e lhe deu um nome ambicioso: Città Futura (Cidade do Futuro).
A população da Europa está encolhendo, e a Itália hoje tem uma das taxas de nascimentos mais baixas do continente. Lucano acredita que pode ter encontrado uma maneira de trazer crescimento à Europa novamente. Sua abordagem é a reassentar os refugiados em lugares onde a população está encolhendo. Ele raciocina que em áreas onde a população já está em declínio os temores de superpopulação têm menor probabilidade de aflorar.
Lucano montou seu escritório no Palazzo Pinnarò, um nome extravagante para uma casa comum. Apesar de ser prefeito nos últimos seis anos, Lucano ainda trabalha no mesmo escritório em sua mesa de madeira surrada, cercado de mapas-múndi, um desenho em pastel de Che Guevara e um cartaz que mostra rebeldes zapatistas mexicanos. Ele é um homem pequeno com grandes sonhos e uma palavra preferida: "utopia". Não é membro de qualquer partido político, e quando disputou o cargo sua campanha se baseou em nada além de uma simples ideia: os mais pobres dos pobres salvariam Riace e, por sua vez, Riace os salvaria. Ele ganhou a eleição.
Desde então Lucano acomodou refugiados em casas vazias no centro da aldeia medieval, onde eles têm casa e comida de graça, incluindo a eletricidade. Em troca, eles devem aprender italiano e trabalhar. As mulheres fazem artesanatos e os homens reformam as casas, que depois são alugadas para turistas.
Helen, da Etiópia, grávida de oito meses quando chegou no barco, tece tecidos calabreses com lã de alta qualidade. Mohamed, do Iraque, perseguido pelas milícias do Mahdi, hoje vende "kebab" e trabalha na construção. Shukri, uma pequena somaliana, tem 23 anos, embora pareçam 13, e dois filhos. Ela trabalha como sopradora de vidro, fazendo borboletas.
Revertendo o declínio
Hoje há 220 imigrantes vivendo em Riace, além dos 1.600 "riacesi", como são chamados os nativos. O prefeito espera que a população acabe retornando ao seu nível anterior de 3.000 pessoas. Os novos habitantes estão abrindo oficinas e mandando seus filhos à escola local, e agora os turistas vêm a Riace para comprar os artesanatos que eles fazem. "Um lugar que as pessoas estavam abandonando hoje se tornou um lugar de boas vindas", diz Lucano com orgulho.
Algumas semanas atrás, quando os colhedores de frutas africanos, que ganham 25 euros (US$ 35) por dia, encenaram um protesto na vizinha Rosarno, os aldeões responderam atirando neles e os espancando com barras de ferro. Depois do incidente, Lucano disse em uma entrevista à televisão que Riace receberia bem os imigrantes. Pouco depois três jovens da Guiné, praticamente meninos, apareceram a sua porta, um com um ferimento de tiro no quadril. Lucano explicou as regras para os guineenses: eles receberiam 2 euros por dia mais 500 euros por mês de trabalho. Os meninos ficaram surpresos. Parecia um milagre.
É quase bom demais para ser verdade, mas o conceito parece funcionar. Lucano conquistou os mais velhos da aldeia, que tinham medo dos imigrantes, e os jovens, que temiam que lhes tirassem seus empregos. Città Futura já é o maior empregador da aldeia, tanto de refugiados como de moradores.
Reação da máfia
Há um grupo, porém, que não gosta do fato de não dar mais as ordens ou poder coletar dinheiro em Riace - a máfia calabresa. Seus capangas envenenaram três cachorros de Lucano e dispararam duas balas na porta da taverna de Donna Rosa. Mas para Lucano isso é um cumprimento, um sinal de que ele fez um bom trabalho. Duas aldeias vizinhas já adotaram a abordagem de Lucano, e o governo regional da Calábria aprovou uma lei que permitirá que outras aldeias sigam seu exemplo. Os políticos estão fazendo peregrinações a Riace e no último outono o cineasta alemão Wim Wenders visitou a aldeia.
Wenders pretendia fazer um filme sobre os refugiados dos barcos, mas acabou sendo um semidocumentário, semifilme de Hollywood de 27 minutos, filmado em 3D, principalmente sobre Riace e seus novos moradores. O filme se intitula "O Voo".
Pouco depois, Wenders fez um discurso em Berlim, no final das comemorações do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim. "A verdadeira utopia não é a queda do muro, mas o que foi conquistado na Calábria, em Riace", ele disse.
Lucano mandou imprimir a frase do cineasta em seus cartões de Ano Novo, que enviou para todo o mundo. Ele espera que o milagre de Riace se espalhe para outros lugares.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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